A arquitetura vernácula rural mineira constitui uma das expressões mais autênticas da cultura e da formação territorial de Minas Gerais. As fazendas mineiras, mais do que simples moradias, representam sistemas complexos de produção e convivência, integrando em sua configuração os valores sociais, econômicos e simbólicos de sua época.
Para Novais (2009),
“havia três tipos básicos de implantação das casas rurais mineiras: as de dois pavimentos situadas em meia encosta, com o térreo destinado a depósito; as de dois pavimentos construídas no topo de elevações, cujo pavimento inferior era voltado ao comércio; e as de apenas um pavimento, localizadas em pontos altos e, portanto, privilegiadas em relação ao entorno”.
(NOVAIS, 2019)
Essa classificação demonstra como o relevo e o uso do solo foram determinantes na definição das tipologias arquitetônicas. As casas em meia encosta, por exemplo, aproveitavam os desníveis naturais do terreno para criar áreas de armazenamento, enquanto aquelas no topo das elevações afirmavam o poder e a visibilidade dos proprietários, configurando um símbolo de status dentro do conjunto rural.
A dimensão e o programa dessas edificações estavam diretamente relacionados à função social da casa-fazenda. Não se tratava apenas de um espaço doméstico, mas de um verdadeiro centro de convivência e hospitalidade. Como afirma Novais (2009),
“a casa precisava ser grande, pois além da família, que já era numerosa, recebia muitos hóspedes, viajantes e vendedores, além de ser centro de relacionamento de parentes, amigos e políticos. Era essencial que a casa tivesse salas amplas, muitos quartos e quartos de hóspedes, localizados na parte menos íntima da casa para acomodar pessoas de mais cerimônia ou estranhas”.
(NOVAIS,2009)
Quanto à forma e à volumetria das casas rurais ,Cruz (2010) observa que
“quanto à forma da casa, do ponto de vista da planta, encontram-se algumas variações. Primeiro, há plantas formadas por um único retângulo, mais comprido, com proporções maiores que 2:1, ou mais curto, com proporções menores que 2:1 (...). Depois aparecem os volumes anexos ao corpo principal; nesse caso, podemos ter plantas compostas por dois retângulos articulados perpendicularmente (em forma de L) ou paralelamente. Há ainda as plantas em forma de U, mais raras, que representam uma derivação das plantas em L”.
(CRUZ,2010)
Essas variações de planta demonstram a evolução tipológica da casa rural mineira ao longo dos séculos XVIII e XIX. A planta em “L”, segundo Cruz (2010), tornou-se a mais clássica do século XIX, consolidando-se como o modelo predominante das fazendas mineiras.
“O corpo principal torna-se mais largo, de proporções próximas a 3:4, e o corpo de serviços permanece estreito. Pode-se dizer que esta é a planta clássica do século XIX, a mais difundida e adotada na maioria das fazendas”.
(CRUZ,2010)
Outro elemento marcante da arquitetura rural mineira é a presença das varandas e alpendres. Mais do que detalhes estéticos, esses espaços possuíam múltiplas funções — de proteção climática, convivência e observação do entorno. Conforme descreve Novais (2009),
“algumas vezes aparecia entalada, à moda paulista, embutida entre o quarto de hóspedes e a capela, e outras vezes mostravam varandas projetadas para frente com telhado independente ou em continuação ao do corpo da casa, somente na fachada frontal ou circundando dois ou três lados da edificação. De modo geral, são pequenas e estreitas e, em alguns casos, são apenas para proteger a porta da casa. Era o local de onde o proprietário da fazenda observava sua propriedade e seus trabalhadores”.
(NOVAIS,2009)
A topografia mineira, marcada por aclives e declives acentuados, também influenciou diretamente a forma das edificações.
“Em Minas (...) ergue-se a construção sobre esteios de madeira, pelo menos na sua parte da frente, ficando a posterior ao nível do terreno, solução permitida pelos aclives naturais que não se corrigem” ( (BARROS, 2012)
Essa técnica aproveitava as condições naturais do terreno, garantindo ventilação, drenagem e estabilidade. Menezes (apud BARROS, 2012) complementa que
“a maioria das sedes de fazendas tem seu pavimento nobre elevado do solo, algumas abrigando um porão total, enquanto outras têm porão apenas em sua parte fronteira ou lateral (...), situando-se, assim, a meia encosta, outras ainda semi-elevadas, poucas térreas”.
(BARROS, 2012)
Essas soluções estruturais conferiam às casas rurais mineiras um aspecto particular, com volumetrias equilibradas e adaptação perfeita ao relevo.
ORGANIZAÇÃO INTERNA
No que se refere à organização interna, as fazendas mineiras mais antigas mantinham modelos tradicionais do século XVIII. Essas construções seguiam padrões herdados da arquitetura portuguesa, sem corredores formais e com alcovas que substituíam os quartos independentes. Novais (2009) descreve que
“logo após a varanda frontal, a sala é o primeiro ambiente quando se entra. É comum a presença da mesa, par de bancos e cabides para pendurar selas, chapéus etc. Após a sala, encontravam-se os dormitórios, muitas vezes voltados para ela. A cozinha ficava sempre no fundo da casa e possuía um fogão a lenha. Junto à cozinha, outro cômodo abrigava o forno de barro, onde se preparavam os assados. A despensa também era muito comum na ala de serviços e normalmente ficava contígua à cozinha”.
(NOVAIS,2009)
Essa disposição demonstra a lógica funcional da moradia rural, onde os ambientes se organizavam de forma linear e comunicante, sem uma separação rígida entre as áreas sociais, íntimas e de serviço. A cozinha, posicionada nos fundos, concentrava atividades de preparo e produção, sendo o coração da casa e um espaço de sociabilidade cotidiana. Como descreve Cruz (2010)
"O setor de serviços compõe-se de uma ou mais cozinhas e cômodos complementares, que podem ter a função de despensas, depósitos, quarto de queijos ou até mesmo quarto de dormir ligado ao serviço. O setor íntimo, onde habita a família do proprietário, organiza-se em torno de uma grande sala, a sala da família, que faz a articulação com os demais setores. Para essa sala voltam-se os quartos e alcovas da família. Finalmente, o setor relativo ao convívio com estranhos é também organizado ao redor de uma grande sala, para a qual se voltam os quartos e alcovas destinados aos hóspedes. Há uma distinção bem clara entre a parte social e a parte íntima da casa, resultante da necessidade de se receber hóspedes e viajantes constantemente."
(CRUZ,2010)
Fluxograma de ligação de ambientes
Fonte: CRUZ, Cícero Ferraz. Fazendas do Sul de Minas Gerais: arquitetura rural nos séculos XVIII e XIX. Brasília: IPHAN/Programa Monumenta, 2010.
Com o passar do tempo, as transformações sociais e tecnológicas do século XX introduziram novas demandas espaciais. As famílias cresceram, o conforto passou a ser valorizado, e as necessidades de higiene e privacidade resultaram no acréscimo de novas dependências. Assim, surgiram os “puxados”, como apontam Novais (2009) e Menezes (1981),
“destinados a abrigar instalações sanitárias, copa e, em alguns casos, novos dormitórios para acomodar famílias em expansão”.
(NOVAIS,2009)
Menezes (1981) complementa:
“verifica-se, de pronto, também a presença constante de puxados, onde geralmente se localiza a cozinha, na maioria das vezes nos parecendo elemento presente já no decorrer da construção principal, em alguns casos acrescentados posteriormente. Algumas vezes puxados são feitos em maior número, a fim de obter melhor acomodação da família em crescimento”.
(MENEZES,1981)
Essas ampliações evidenciam a natureza evolutiva da arquitetura vernácula, que se modifica conforme as necessidades do cotidiano, sem perder sua essência formal e construtiva.
Vasconcellos (1958) descreve de forma exemplar essa lógica construtiva ao afirmar:
“Eis nossa arquitetura tradicional doméstica, funcionalmente caracterizando-se pela boa distribuição das plantas: parte nobre, parte íntima e de serviço, autonomamente entronizadas; plasticamente desataviadas, singelas, mas agenciadas em boas proporções, harmonicamente dispostas”.
(VASCONCELLOS,1958)
A arquitetura rural mineira também influenciou, posteriormente, as construções urbanas, antecipando soluções volumétricas e formais que mais tarde seriam adotadas nas cidades. Enquanto as casas urbanas sofriam restrições de alinhamento e fachada, as casas rurais possuíam liberdade compositiva, desenvolvendo novas geometrias e explorando simetrias herdadas da tradição portuguesa.
“Assim, observam-se elementos clássicos como simetria, harmonia, cornijas, cimalhas e pestanas, não necessariamente vinculados ao neoclassicismo introduzido com a corte, mas sim a uma tradição arquitetônica portuguesa de longa duração”
(VASCONCELLOS, 1958).
IMPLATAÇÃO NO COMPLEXO DA FAZENDA
"Do ponto de vista da implantação no conjunto da fazenda, a sede era disposta centralmente, destacando-se das demais edificações. À frente localizava-se o terreiro, espaço quadrangular associado às praças urbanas, como observa Vasconcellos, muitas vezes convertido em núcleo central de povoados. Em torno dele distribuíam-se senzalas, paióis, hortas, pomares e outras construções complementares, como engenhos, tulhas, cavalariças e capelas"(BARROS, 2012; CRUZ, 2010).
As senzalas, em certos casos, ocupavam os porões ou prolongamentos posteriores das casas (BARROS, 2012). Essa organização expressava a funcionalidade da arquitetura rural, marcada pela divisão setorial entre espaços de serviço, íntimos e sociais, articulados de modo a atender tanto às necessidades cotidianas quanto ao papel de hospitalidade (CRUZ, 2010).
As fazendas a seguir, vistas em CRUZ (2010) demostram exemplos de implantação das estruturas das fazendas, com a sede em posição de destaque e as construções complementares , como paiol, curral e senzala distribuídas em torno de "U".